quinta-feira, 29 de maio de 2014

DAS DORES


Das dores que me cortam, faço verso
aproveitando a tinta que escorre
de cada corte - reto ou transverso -
e gota a gota, as rimas, me socorrem

E nas certezas tontas, meu reverso,
mergulham, prosas, em profundo porre
nadam nas ondas de um mar perverso;
se debatendo, de cansaço, morrem

Das dores bobas que a vida me vende,
faço poemas sem jeito e sem graça
só pra gastar a tinta desse corte

Das dores que me chegam tal fumaça
escrevo, até a sua ou a minha morte,
resignada; sei que tudo passa...

DAS DORES – Lena Ferreira – mai.14
..
do desafio IMAGENS INSPIRAM POETAS proposto por  Vania Viana

sábado, 24 de maio de 2014

APOSTA


A noite veio e trouxe um ventinho frio
que, estacionando no pensamento arredio,
enovelou-o com perguntas inexatas.

E numa busca embaraçada por certezas,
entre tropeços, a razão, em quase estio
desfiou, rindo, ricas rimas insensatas.

Séria, segui na madrugada, fio a fio
pinçando as interrogações então propostas.

(guardei algumas numa caixa, bem dispostas
tão confortáveis, lá num fundo tão macio.

...e, acrescentando, acertei nessa aposta:
nem toda pergunta precisa de urgente
resposta.)


APOSTA - Lena Ferreira – mai.14

sexta-feira, 23 de maio de 2014

ATÉ


Há tanta coisa que se esconde em cada riso, em cada gosto, em cada canto, em cada não. Há tanta coisa que se esconde em cada gosto, em cada rito, em cada pranto, em cada grito sem razão.
E por que não dizer que o que se esconde torna a gente transparente? E por que sim dizer que o que se mostra torna a gente indecente?
Há tanta coisa que se esconde no armário, no porão, principalmente nas gavetas da fala. Há tanta coisa que se esconde quando o verbo, mesmo indignado, resigna-se e então se cala. 
Há tanta coisa ainda que não sei da vida mas, vivendo é que procuro aprender. Sei que é uma busca infinda e, no correr da lida, a minha história, só eu posso escrever: cada vírgula, cada exclamação, cada reticência e cada interrogação até o ponto final.

ATÉ – Lena Ferreira – mai.14

quinta-feira, 22 de maio de 2014

JUNHO


A luz de maio logo, logo vai embora
antes que parta, deixa em mim seu ar tão terno
me preparando para o frio de um inverno
anunciado rigoroso e com demora

Se não bastasse esse rigor, lembro-me agora
da transição em astrológico inferno
período em que, covardemente, eu hiberno
mas dessa vez acordarei o cinto e a espora

Cabeça erguida e espinha reta, mesmo ao frio
combaterei em mim o que causa arrepio
me resguardando, sempre com coragem em punho

A luz de maio se despede em vento breve
como um aceno, roça o pensamento, leve;
abraço a calma do momento e logo, junho


JUNHO – Lena Ferreira – mai.14

terça-feira, 20 de maio de 2014

DO SOPRO


Sentindo o sopro da palavra ao longe
sussurrada, delicada, sobre a pele nua
se declara, instintiva, pelos poros; sua
gotejando incertos versos de amar baixinho

E tentando ocultar alguns segredos castos
sob as folhas de um outono morno, lento e vasto
retempera as sensações em verbetes voláteis
na viagem onde o embarque não pergunta quando

E do sopro, certas folhas que iam semimortas
reanimam, reverdejam, transferindo o viço
para o pouso desses versos em outras viagens
resguardando a semente do vento inverniço

DO SOPRO – Lena Ferreira – mai.14

segunda-feira, 19 de maio de 2014

ENTRE

Enquanto a alma sobra solta no corpo amanhecido
palavras, gentilmente, vão encaixando-se no meio
de um vão entre as teias e as veias tímidas ainda
que levemente pulsam e brevemente pausando...

...acordam o coração da inspiração que, em resposta,
injeta o sangue novo, aquarelado, no sistema circular,
percorre artérias, acelera o pulso, alarga os olhos que se alagam
e expande a emoção por todo o corpo que desperta

Uma das mãos tateia então o leito virgem e branco
e enquanto a outra prende a pena entre os dedos,
a cena que se empoça no olhar que, ora, mareja
goteja e cada gota imprimindo sensações...

...desenha emoções entre as palavras.

ENTRE – Lena Ferreira – mai.14

terça-feira, 13 de maio de 2014

SOBRE AS ÁGUAS

Sob as águas quase calmas do oceano
resguardava, bem no fundo, em degredo,
todo trauma, toda fúria em segredo
entre as algas, pedras, perdas, desenganos

Sob o efeito de um céu cinza profano
incitando frases que causavam medo
revelou-se em ira e salvo engano ledo
revelar-se não constava nos seus planos

Revolvido, o fundo mudo veio à tona
dos segredos já não era mais a dona
viu render-se a um destino improvável:

Sobre as águas quase calmas, transparência
nada oculta, nada além da sua essência
nada além de uma leveza insustentável

SOBRE AS ÁGUAS – Lena Ferreira – mai.14

sexta-feira, 9 de maio de 2014

NAS ÁGUAS

Nas águas tranquilas que banham esse solo
isolo a tristeza que pesa nos ombros
em dores prováveis, possíveis assombros
que escondem o sorriso que sempre foi seu

Nas águas tão calmas, mergulho meu colo
consolo a verve que andava arredia;
pedinte de um vento, brisa ou poesia
espera voltar o que sempre foi seu

Nas águas serenas, meus versos, imolo
tentando acalmar a alma em estado bruto
para que, tranquila, num tom resoluto
retorne ao caminho que sempre foi seu

NAS ÁGUAS - Lena Ferreira -

segunda-feira, 5 de maio de 2014

NÓS

Eu, coberta de ausências claras
descubro-te nas faltas raras
desnudo de explicações.

Tu, liberto da desculpa frágil
descobre-me em excesso ágil
desnuda de ponderações.

Nós, distintas linhas, em sequência
cobrimo-nos com as consequências
das mais desnudas sensações.

NÓS - Lena Ferreira - mai.14

sábado, 3 de maio de 2014

DE QUANDO

Sentada na varanda, te espero,
ao lado da roseira cor de rosa
e abraço a lembrança mais frondosa
onde era meu teu verso mais sincero.

Talvez pelo perfume que exala
das rosas, o passado venha à tona
- de quando, do teu peito, eu era a dona
rimando o verso que hoje se cala. -

Sentada na varanda, sinto o vento
acarinhando o vão do pensamento
que teima em prosseguir nessa espera.

Talvez, quem sabe um dia, na chegada
tu digas que ainda sou tua amada
e dê-me o beijo que jamais me dera.


DE QUANDO - Lena Ferreira - mai.14