segunda-feira, 14 de julho de 2014

QUE SEJA


Pra ser bom, o dia não precisa
necessariamente de um sol pendurado no céu, de um riso desenhado no rosto, de um corpo enxuto exposto, embora tudo isso também conte - se for natural, espontâneo - . Pra ser bom, o dia precisa nascer dentro do peito e desse jeito, o que de fora dificilmente abalará o de dentro e mesmo que abale, embale e ponha o abalo na conta do aprendizado, sem ser a vítima e sem se sentir culpado. Pra ser bom, o dia precisa de cuidado, o dia precisa de alma, o dia precisa de calma para que, quando for abraçar a noite e deitar-se no seu colo coberto de estrelas, enquanto o sono acena, sinta que esse 'exercício' vale, e muito, a pena.
Então, que assim seja se assim deseja.

QUE SEJA - Lena Ferreira - jul.14

quinta-feira, 10 de julho de 2014

HASTE - para Celita

E por ser feita de verdade
conseguiu sair inteira
de onde  brotava tempestade
e não foi a vez primeira

Onde a metade da vontade
rendia a vida, carcereira,
ventou graça e suavidade
e ternura - tão brejeira -

Envergando adversidades
quebrantou a seta certeira
que assombra a felicidade
de quem não possui fronteira

HASTE - Lena Ferreira - jul.14



quarta-feira, 2 de julho de 2014

À REVELIA


Ah, mar... Traiçoeiro, traiçoeiro,
navega-me nas horas imprecisas
e salmourando os olhos e a língua
afoga as vagas tintas da razão.

Com ondas e mais ondas escaldantes
turvando-me a visão, enxergo nada
braçadas são inúteis nessas horas
melhor por-me à deriva, paciente.

Quem dera fosse a brisa, eternamente
beijando à tardinha os meus cabelos
ou mesmo vento morno que, à noitinha,
embala o sono bom, serenamente.

Mas é só esse mar... À revelia
alimentando ânsias e, faminto,
mordisca minha noite, até que um dia
altera luas, acordando o instinto.

À REVELIA - Lena Ferreira - *re.*

terça-feira, 1 de julho de 2014

CONSTRUÇÃO


Entre
o que sinto
e o que concretizo
escrito...

...ergo
recintos
que disponibilizo;
raros são os que habito


CONSTRUÇÃO – Lena Ferreira – jul.14

terça-feira, 10 de junho de 2014

CONVERTO

Avesso o verso e inverto o verbo em desaviso
amasso o maço de papel e o improviso
arrasta a voz e atrai os nós todos pra dentro
que, emaranhados, travam a via bem no centro

Imerso em vento, em passo incerto então, deslizo
analisando o traço e o risco, catalizo
as impressões entrelinhadas mar a dentro
que, muitas vezes servem, à ferida, unguento

Converto o sopro da sangria e cicatrizo
o corte raso e em superfície, paraliso
a pulsação - privo de ar mas, só aguento
até a próxima aventura em que adentro -


CONVERTO – Lena Ferreira – jun.14

segunda-feira, 9 de junho de 2014

E

Não me olhe
com essa boca
salivando peles...


Periga descuidada
arrancar seus olhos


E colocá-los
no lugar devido:
debaixo dos meus apelos


E - Lena Ferreira -

quinta-feira, 29 de maio de 2014

DAS DORES


Das dores que me cortam, faço verso
aproveitando a tinta que escorre
de cada corte - reto ou transverso -
e gota a gota, as rimas, me socorrem

E nas certezas tontas, meu reverso,
mergulham, prosas, em profundo porre
nadam nas ondas de um mar perverso;
se debatendo, de cansaço, morrem

Das dores bobas que a vida me vende,
faço poemas sem jeito e sem graça
só pra gastar a tinta desse corte

Das dores que me chegam tal fumaça
escrevo, até a sua ou a minha morte,
resignada; sei que tudo passa...

DAS DORES – Lena Ferreira – mai.14
..
do desafio IMAGENS INSPIRAM POETAS proposto por  Vania Viana

sábado, 24 de maio de 2014

APOSTA


A noite veio e trouxe um ventinho frio
que, estacionando no pensamento arredio,
enovelou-o com perguntas inexatas.

E numa busca embaraçada por certezas,
entre tropeços, a razão, em quase estio
desfiou, rindo, ricas rimas insensatas.

Séria, segui na madrugada, fio a fio
pinçando as interrogações então propostas.

(guardei algumas numa caixa, bem dispostas
tão confortáveis, lá num fundo tão macio.

...e, acrescentando, acertei nessa aposta:
nem toda pergunta precisa de urgente
resposta.)


APOSTA - Lena Ferreira – mai.14

sexta-feira, 23 de maio de 2014

ATÉ


Há tanta coisa que se esconde em cada riso, em cada gosto, em cada canto, em cada não. Há tanta coisa que se esconde em cada gosto, em cada rito, em cada pranto, em cada grito sem razão.
E por que não dizer que o que se esconde torna a gente transparente? E por que sim dizer que o que se mostra torna a gente indecente?
Há tanta coisa que se esconde no armário, no porão, principalmente nas gavetas da fala. Há tanta coisa que se esconde quando o verbo, mesmo indignado, resigna-se e então se cala. 
Há tanta coisa ainda que não sei da vida mas, vivendo é que procuro aprender. Sei que é uma busca infinda e, no correr da lida, a minha história, só eu posso escrever: cada vírgula, cada exclamação, cada reticência e cada interrogação até o ponto final.

ATÉ – Lena Ferreira – mai.14

quinta-feira, 22 de maio de 2014

JUNHO


A luz de maio logo, logo vai embora
antes que parta, deixa em mim seu ar tão terno
me preparando para o frio de um inverno
anunciado rigoroso e com demora

Se não bastasse esse rigor, lembro-me agora
da transição em astrológico inferno
período em que, covardemente, eu hiberno
mas dessa vez acordarei o cinto e a espora

Cabeça erguida e espinha reta, mesmo ao frio
combaterei em mim o que causa arrepio
me resguardando, sempre com coragem em punho

A luz de maio se despede em vento breve
como um aceno, roça o pensamento, leve;
abraço a calma do momento e logo, junho


JUNHO – Lena Ferreira – mai.14

terça-feira, 20 de maio de 2014

DO SOPRO


Sentindo o sopro da palavra ao longe
sussurrada, delicada, sobre a pele nua
se declara, instintiva, pelos poros; sua
gotejando incertos versos de amar baixinho

E tentando ocultar alguns segredos castos
sob as folhas de um outono morno, lento e vasto
retempera as sensações em verbetes voláteis
na viagem onde o embarque não pergunta quando

E do sopro, certas folhas que iam semimortas
reanimam, reverdejam, transferindo o viço
para o pouso desses versos em outras viagens
resguardando a semente do vento inverniço

DO SOPRO – Lena Ferreira – mai.14

segunda-feira, 19 de maio de 2014

ENTRE

Enquanto a alma sobra solta no corpo amanhecido
palavras, gentilmente, vão encaixando-se no meio
de um vão entre as teias e as veias tímidas ainda
que levemente pulsam e brevemente pausando...

...acordam o coração da inspiração que, em resposta,
injeta o sangue novo, aquarelado, no sistema circular,
percorre artérias, acelera o pulso, alarga os olhos que se alagam
e expande a emoção por todo o corpo que desperta

Uma das mãos tateia então o leito virgem e branco
e enquanto a outra prende a pena entre os dedos,
a cena que se empoça no olhar que, ora, mareja
goteja e cada gota imprimindo sensações...

...desenha emoções entre as palavras.

ENTRE – Lena Ferreira – mai.14

terça-feira, 13 de maio de 2014

SOBRE AS ÁGUAS

Sob as águas quase calmas do oceano
resguardava, bem no fundo, em degredo,
todo trauma, toda fúria em segredo
entre as algas, pedras, perdas, desenganos

Sob o efeito de um céu cinza profano
incitando frases que causavam medo
revelou-se em ira e salvo engano ledo
revelar-se não constava nos seus planos

Revolvido, o fundo mudo veio à tona
dos segredos já não era mais a dona
viu render-se a um destino improvável:

Sobre as águas quase calmas, transparência
nada oculta, nada além da sua essência
nada além de uma leveza insustentável

SOBRE AS ÁGUAS – Lena Ferreira – mai.14

sexta-feira, 9 de maio de 2014

NAS ÁGUAS

Nas águas tranquilas que banham esse solo
isolo a tristeza que pesa nos ombros
em dores prováveis, possíveis assombros
que escondem o sorriso que sempre foi seu

Nas águas tão calmas, mergulho meu colo
consolo a verve que andava arredia;
pedinte de um vento, brisa ou poesia
espera voltar o que sempre foi seu

Nas águas serenas, meus versos, imolo
tentando acalmar a alma em estado bruto
para que, tranquila, num tom resoluto
retorne ao caminho que sempre foi seu

NAS ÁGUAS - Lena Ferreira -

segunda-feira, 5 de maio de 2014

NÓS

Eu, coberta de ausências claras
descubro-te nas faltas raras
desnudo de explicações.

Tu, liberto da desculpa frágil
descobre-me em excesso ágil
desnuda de ponderações.

Nós, distintas linhas, em sequência
cobrimo-nos com as consequências
das mais desnudas sensações.

NÓS - Lena Ferreira - mai.14

sábado, 3 de maio de 2014

DE QUANDO

Sentada na varanda, te espero,
ao lado da roseira cor de rosa
e abraço a lembrança mais frondosa
onde era meu teu verso mais sincero.

Talvez pelo perfume que exala
das rosas, o passado venha à tona
- de quando, do teu peito, eu era a dona
rimando o verso que hoje se cala. -

Sentada na varanda, sinto o vento
acarinhando o vão do pensamento
que teima em prosseguir nessa espera.

Talvez, quem sabe um dia, na chegada
tu digas que ainda sou tua amada
e dê-me o beijo que jamais me dera.


DE QUANDO - Lena Ferreira - mai.14

domingo, 13 de abril de 2014

DESSAS NOITES


É dessas noites que falo, arfante,
quando, em galopes sussurrados,
fundamos vales, montes e colinas
bebendo a sede descoberta em cada curva

É dessas noites em que o suor é quase chuva
e, lavando o cansaço da rotina em linha reta,
desperta as ousadias mais secretas que falo
arfante, coberta por um sol que nunca dorme

É dessas noites em que o desejo é enorme
que falo, arfante, provocando seu instinto adormecido
para que a calma, vez ou outra, perca o juízo
e, sem prejuízo, morra no vão do nosso abraço


DESSAS NOITES – Lena Ferreira – abr.14

quinta-feira, 10 de abril de 2014

QUASE

Traz, na correnteza da memória,
histórias recortadas pela lua
que, quando nua, altera sua rota
e aborta a trajetória antes traçada

E, madrugada, a sós, delira sóis,
respira os nós em gotículas sussurradas
respondendo aos ecos atemporais
em suspiros abissais e ais demais...

...que andavam quase adormecidos,
quase esquecidos em cada vão
de uma das mãos onde habitam segredos
quase escondidos em cada não.

QUASE – Lena Ferreira – abr.14


sábado, 5 de abril de 2014

AZUL


Como quem flutua, caminha lua e, leve, aninha entre os dedos um doce aroma entre lírio e alfazema como que carrega um poema que acorda pelos, pulso e poros.
Decoro as linhas e entrelinhas a passo largo...
O tom amargo se desfaz no mesmo instante em que, vestindo brisa morna, quase vento, entorna a calma tão precisa no momento e nirvaniza todo entorno em lenimento deitando o som dos pés de nuvem no leito azul de um lago manso onde, enfim, descanso.

AZUL – Lena Ferreira – abr.14


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

OUTONO

Venta-me um vento sem sono
e apressa-me na escolha
entre o que cedo e o que me arde

Antecipando-me, outono:
desapego-me de algumas folhas;
outras virão, cedo ou tarde...

OUTONO
– Lena Ferreira – fev.14

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

SOLIDÁRIO

É com os ouvidos da alma que escuta
atento, as confidências, os lamentos
quando uma alma enluarada se agita
o discurso é sangria; pra quê contê-la?


Então, com os braços da alma, acalma
as tensões de mais um dia entre conflitos
no colo manso, tempestades, ventanias
esvaem-se; pra quê retê-las?


E, enquanto a madrugada em passos leves
passeia entre as calçadas de estrelas,
instaura em mim a calma, ainda que breve...
- adormeço, sonhando em mantê-la -


SOLIDÁRIO – Lena Ferreira – fev.14

sábado, 22 de fevereiro de 2014

OUTROS TEMPOS


Houve um tempo em que os precipícios
convidando-me a um cego salto,
seduzia (eu, um ser incauto,
me lançava no fim sem princípios)

...e não via

Houve um tempo em que os abismos
atraentes com os seus tantos vãos
acenavam (eu, poupando os nãos,
me entregava qual nos romantismos)

...e não via

Houve um tempo em que uma chuva forte
alagou estes olhos e o norte
ficou claro, então, como o dia

...que, até então, não via

Outros tempos, é certo, virão
mas já posso, com a nova visão
enxergar o que é só euforia


OUTROS TEMPOS – Lena Ferreira – fev.14

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

ALÉM

Permita-me inventar minhas verdades
em versos modelados, presas rimas
pois o estandarte das veracidades
pesa-me os ombros e me desanima

Permita-me ir além do que é palpável
nos versos livres, prosas ou haikais
entremeados com o que é improvável
pois, lhe confesso, o óbvio não me atrai

Permita-se pois há possibilidades
além da obviedade e são tão vastas
mas se prefere, segue a realidade;
eu lhe confesso, esta não me basta

ALÉM – Lena Ferreira – fev.14

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

ALÍVIO

E veio a chuva, gota a gota, mansa e leve
e, lavando o ranço dos suores da agonia,
- que incitava a calma à uma grave greve -
levou pro ralo o sal desses pesados dias

ALÍVIO - Lena Ferreira - fev.14

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

VIVEIRO DE ESTRELAS

Acordar assim, coberta por esses olhos negros
- negros de um negrume vertiginoso -
desperta os poros e os pelos num apelo silencioso:
que a maciez da sua boca, viveiro de estrelas,
constele esta pele em secretas explosões

VIVEIRO DE ESTRELAS - Lena Ferreira - fev.14


domingo, 9 de fevereiro de 2014

LUA

Sonhei-me vento
no arrepio da pele morena
onde, nua, bronzeava-me com seus dedos de sol

Sonhei-me vento
na fogueira que anima o peito
onde, nua, embolava-me nos seus pelos-lençol

Sonhei-me vento
neste verso que sai sem medo
onde, nua, deliro abrasando-nos além do arrebol

Sonhei-me vento...
Mas a razão me acorda e avisa:
És só lua...Aceita, é tempo; jamais beijarás o sol...


LUA – Lena Ferreira –

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

VENTURAS

Em torrente de sussurros infinitos
dou-te a alma e convido a alma tua
a venturas no entorno irrestrito;
posto-me, disposta, inteiramente nua

Mas é teu silêncio e esse ar contrito
que responde o verso e a rima pobre, sua;
já não sei, ao certo, o que mais te dito
mas, querendo, dou-te livre acesso à lua

Dou-te estrelas; cometas constelações
far-te-ei provar distintas sensações
nas viagens pelas venturosas águas

Se quereis, mergulhe e dar-te-ei a prova
de que o verbo explicitado se comprova
neste verso transbordante que deságua

VENTURAS - Lena Ferreira -

ZELO

E enfim, o silêncio dos dias solitários
cedeu lugar ao alvoroço pela volta
enfim, a ventania transformou-se em brisa mole;
felicidade é pra se beber de gole em gole

Olhos sorrindo tateando tudo em volta
lábios abrasados, se abraçando
e a cada toque, uma porta era entreaberta;
se zelo existe, haverá redescobertas

Caminhando, calma, a mesma lua, leve
suspirava e, talvez, por inveja breve,
escondeu-se nas nuvens raras dessa noite

E nós, sob juras secretas, em suavidades
cobertos de pele e de intimidades
inauguramos estrelas onde o céu fez greve

ZELO – Lena Ferreira –

CONTANDO ESTRELAS

Perco-me a contar as estrelas
que brincam no céu da sua boca
grávida de sonhos e promessas
salivando entre a razão e a loucura

E da ternura desse seu sorriso
bebo as gotas mais singelas
afagando com dedos de brisa
cada onda gris dos seus cabelos

Abraço o mar bem no seu peito
e acalento o meu sonho mais secreto:
pássaros bebendo da sanidade
que retém os meus pés no chão

Perco-me a contar estrelas
e nem percebo o que na noite acontece
- só me dou conta que o seu sol me amanhece -

CONTANDO ESTRELAS - Lena Ferreira -

NO ATO

Na cadência de suados suspiros
o aroma de uma primavera inteira
exala dos poros; dois corpos-de-lírio

...no ato, desabrocham.

NO ATO - Lena Ferreira - fev.2014