sábado, 25 de maio de 2013

SÍNCOPE

Vou...
aconchegar-me-ei no teu cansaço
que, de tanto divagares, andas farto
e falta-te o ar no peito inteiro, todo

Vou...
e dar-te-ei um pouco do meu muito vento
que, cá, rega os meus impulsos em galopes extremados
cardiovascularizando a pele; penso

...que assim serias meu, bem como já sou tua
e suo na subida da colina, longe, alta, horizonte ensolarado
- tanto, tanto que, fechando os olhos, me atiro -

Voo...
e pouso nesses braços fortes, destino escolhido, apalpo a calma
- novidade nesta vida - que exala das tuas mãos e boca e pele
tateio as bordas do sossego tão sincero que ofereces


...acarinhando a tua face, sinto que, silenciosamente,
a alma minha se despede
purpurinada à brisa vaga, calmamente, desfaleço...


SÍNCOPE - Lena Ferreira - maio/13

quinta-feira, 23 de maio de 2013

DISFARCE

São esses olhos que quase desaguam
e mal disfarçam uma dor profunda
que dizem tanto quando dizem nada
que me revelam a mágoa que te inunda

São esses gestos sempre tão discretos
e tão contidos num estranho medo
guardando um quê por entre vão dos dedos
que me revelam em silêncio secreto:

É com essa calma que tão bem ensaia
 beijando a brisa desejando o vento
que tu sorris pra que o choro não caia
me diz, pra que protelar o tormento?

O choro lava a alma e limpa a mágoa
pergunto, então: por que tu não desaguas?

DISFARCE - Lena Ferreira - maio/13

SUTILEZAS

Essas sutilezas que me vestes
- delicadezas fartas e tão raras -
vão deixando na pele,  pistas claras
da intenção primeira que revestes

Com as notas da canção em solfejos
cantada co'essa voz tão bela e forte
fazendo bússolas perderem o norte;
tremula a alma minha de desejo

Ah, esses detalhes  cheios de cuidado
ah, esses cuidados cheios de detalhe;
eles aumentam a vontade e a certeza

De querer, sempre, estar ao teu lado
e de que viver nessa vida só vale
se atentarmos para as sutilezas

DETALHES - Lena Ferreira - maio/13

quarta-feira, 22 de maio de 2013

PARTO


Fosse esse seu silêncio estéril
e ainda virgem, solteiro e senil
seria em seu tempo a partida
com a vida seguindo levemente

Mas não...

Trouxe consigo o vigoroso vício
das verdades absolutamente analíticas
nas pausas grávidas de afrontas e tiques
salmourando cílio a cílio

Fosse esse seu silêncio estéril
evitaria um parto prematuro

PARTO – Lena Ferreira – maio/13

terça-feira, 21 de maio de 2013

CHAMA

Deitada no teu peito, ternamente
coberta pelos dedos consagrados
isenta de pudor e de pecado
sussurro poesias lentamente

Percorro tua pele que, tão quente,
derrama-se em suores destilados
inflama, alma a alma, lado a lado
e aumenta o desejo já ardente

A chama acesa permanece pura
enquanto o amor no leito se derrama
num frenesi que beira à loucura

O tempo, adormecido, não reclama;
enquanto nós trocamos ternas juras
segredos viram cinzas nessa chama

CHAMA - Lena Ferreira -

segunda-feira, 20 de maio de 2013

REVENTA


Vento
que vem tão forte
ventaneja tempestades
nas dobras
da semimorte
que me sopra inverdades

Enverga
do sul ao norte
os pendões da falsidade
derruba-os
sem fero corte;
reventa sinceridade

REVENTA – Lena Ferreira – maio/13

sexta-feira, 17 de maio de 2013

QUASE VENTO


Pois se deságuo feito chuva em sua senda inteira
ascendendo o fogo morno, afagando brasa em pele
- afogando pelos em apelos -
é porque, nuvem sendo, condenso saliva, suores, humores
desabando em ciclo vivo no céu sereno que sua boca quente

Há desassossegos imersos nesse mar de calma aparente
seguros no fundo por crivos acidulados pela inconstância

Sendo assim, traga a boca da alma pra mais perto
beba da palavra sacrossanta que ofereço
e matarei sua sede com o vinho extinto do segredo:
embriaguei-me com essa brisa leve, quase vento,
que esconde por detrás desses seus olhos de sol...

QUASE VENTO - Lena Ferreira – maio/13

quinta-feira, 16 de maio de 2013

ÀS FLORES


Era preciso agradecer às flores
angelicais, perfumadas e tantas
pelo conforto para as suas dores;
àquelas que travavam a garganta

Era preciso agradecer, e tanto,
por preservarem esse juramento:
o mesmo sol mas com um novo encanto
como um sussurro no seu pensamento

Era preciso, e com muita ternura,
agradecer, agradecer e muito
pela promessa, tão límpida e pura
que, finalmente, cumpriu o seu intuito

ÀS FLORES – Lena Ferreira – abril/13

quarta-feira, 15 de maio de 2013

LENIMENTO



Nestes dias de tristeza, desencanto
intentando encontrar um lenitivo
que me faça resistir, mantendo ativo
o motor que pulsa no esquerdo canto

Percorrendo o nosso ontem, teço pranto,
recordando dos momentos que, passivo,
vi morrer a míngua o que me punha vivo:
teu amor, tua doçura; tanto encanto


Nestes dias de tristeza, só a morte
viraria a mesa e, talvez, com sorte
sob a terra, a sete palmos, os meus ossos


Serviriam, para os vermes, de alimento
e a alma encontraria o lenimento
que não tenho nestes dias; só remorso


LENIMENTO – Lena Ferreira – maio/13

ANIQUILAÇÃO


Esses dias tão iguais
onde a lástima desfila
e seu visco vil destila
com promessas abissais

Me cansei de tantos ais
é mal que a alma aniquila
derrubando, a quem vacila,
com trovões e temporais

Esses dias repetidos
vão soltando seus gemidos
contaminam quarto e sala

Onde os nossos tempos idos?
Hoje vão descoloridos
onde só o silêncio fala...

ANIQUILAÇÃO – Lena Ferreira

quarta-feira, 8 de maio de 2013

PROPOSTA


Não é de mágoas o verso que eu canto
nem de lamento propriamente dito
Pergunto, então: por que o andar aflito?
Por que perder, da vida, o encanto?
.
Já nem sei mais porque eu choro tanto
e ainda mais choro se mais eu reflito
O pensamento em vão, vaga ao restrito
do fosso fundo da calma; só pranto
.
Ah, quem dera saber a resposta
para estes míseros questionamentos
minimizando o inútil sofrimento
.
Mas vida é vida e sussurra a proposta:
(basta saber se eu estou disposta)
- Feche suas portas por breve momento

PROPOSTA – Lena Ferreira – maio/13

segunda-feira, 6 de maio de 2013

IN VENTO


É o vento
que tange o poema-loucura
de verso inconcluso
com verbo indeciso
trazendo pra perto
o veneno e a cura
levando pra longe
o sorriso e o juízo

É o vento 
que tange o poema imperfeito
de estrofe alquebrada
cheio de ruído
trazendo pra perto
o acerto e o defeito
levando pra longe
o vazio doído

É o vento
que tange o poema e poema
com letras e pontos
de exclamação
trazendo pra perto
o fim do problema
levando pra longe
a interrogação

É o vento
que in vento
é o vento
que in vento
 
IN VENTO - Lena Ferreira -

POR HORA

Não há portanto no instante resistente
nem mais saudade de torpor insustentável
e os defeitos exclamados pelos tantos
são devaneios de Pandora aborrecida

Não há mais vento, ventania ou tempestade
nem mais marés em tantos cantos insistentes
por entre as veias, corre um rio fresco e manso
e uma brisa morna embala os pensamentos

Não há mais grito no enquanto tão silente
nem mais sussurro acordando a lua avulsa;
das mãos exala um misto de verbena e lírio
e os pés, por hora, tocam levemente o chão

POR HORA  - Lena Ferreira -

quarta-feira, 1 de maio de 2013

HÁ DEZ MAIOS

Estio é o endereço certo e seco
desses olhos baços de brilho morno
de onde, intensa, a má água ainda transborda
e canto a canto porém aparentemente é calma
à expressão colhida cedo na vaga lua madrugada
fria e imensa; tanto que esbarrou na esquina doce
de anis estrelado lambendo o céu da tua boca, sim...

Há desmaios nesses verbos, sinto
também, há galopes no meu peito, não minto
há  avalanches e enterro de promessas
vagaromentirosas, esguias e cãs

Entre os tantos cacos de incertezas
depositarei os meios nus, tensos e tesos
para que transporte a carga altiva e viva
a fim de recuperar as asas de voar tão alto
e , de novo, levemente, pousar meus lábios
nos teus lábios cor de espinho virgem e quente

- que jamais me feririam mas que já me deixaram marcas -

HÁ DEZ MAIOS - Lena Ferreira -