terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

APELAÇÃO

Quando o julgamento antecede o depoimento, não haverá argumento capaz de absolvê-lo, réu; apele para o silêncio...

Lena Ferreira

IMPERCEPTÍVEL

IMPERCEPTÍVEL 
(Lena Ferreira) 

Eu te vi por aí, cabisbaixa
errando esquinas e bares
bebendo restos de saudade
em copos cheios de mágoa.

Ias linda, não fosse o rímel borrado...

Teus lábios carnudos e roxos
esboçavam um sorriso simples
e na sinuosidade do corpo
um vestido de nuvens; flutuavas.

Tua alma sobrava, frouxa e deserta

Os olhos orvalhados me procuravam,
sei bem; tanto que me pus à tua frente
tentei te abraçar e tu recuaste - medo?
é que, às vezes, me disfarço de ausências.

Eu te vi por aí e tu não percebeste, amor...

PERMITA-ME


PERMITA-ME
(Lena Ferreira)

Permita-me dizer-te uma palavra
Talvez sejam duas ou três
Não sei bem

Permita-me tocar-te uma única vez
E sentir-te como se fosses o primeiro
E beijar-te como se fosses o último

Permita-me olhar-te assim
Do meu jeito:
Meio louco, meio ingênuo
Meio santo, meio demônio

Permita-me desejar-te
Por alguns minutos
Ou horas, talvez
Preso em meus olhos ansiosos

Permita-me amar-te assim
Louca, intensa e infinitamente

...enquanto houver amor.

SÚPLICA


SÚPLICA
(Lena Ferreira)


Porque tua pausa parece infindável
e tua lira, ópera inteira; orquestra
tocando a partitura dos meus poros
em notas tão perfeitas e sonantes

Porque teu verso carece meu inverso
e tuas letras, crianças peraltas
aprontando fuzarca no meu sítio
trazendo ventura pros meus dias

Porque teu verbo parece silente
e teu silêncio é grito mudo, eterno
suplica por peles cruas, pelos tesos
causando espasmos na alma casta

Porque tua causa ´parece urgente
e tuas promessas perfeitas, cabíveis
imploram aos deuses gregos e pagãos
pela redenção de um pecado imortal

Porque teu porquê é tão convincente
repenso e te perdoo novamente...

ENLEIOS



ENLEIOS
(Lena Ferreira)

Enquanto a noite descia
vagarosamente
escutava o passado rir faceiro
dos olhos lacrimosos
namorando espelho
trincado
quarto
frio

Estrelas salpicavam
a negritude
de um céu imenso, imenso
a exacerbar
todos os enleios
derramosos, quentes
de um ser que não
se
via
nem se
cria

Havia vento,
um vento caloroso em abraço
que acalentava a alma
entristecida e em cismas
divagava; possibilidades tantas
futuro entremeios
se morria

Enquanto a noite tecia
a colcha de detalhes
com borda de sonhos
escutava o futuro
preguiçoso
a
cor
dar

NAUFRÁGIO


NAUFRÁGIO
(Lena Ferreira)

Seus olhos
tão negros, tão puros
tão cheios de candura
por um torpe desengano
transformaram-se, distantes,
em duas poças de mágoa.

Seus olhos
já frios, escuros
perderam toda a ternura
transbordaram o oceano
onde eu, pobre navegante
bebi quase toda água.

Seus olhos
tão cheios de esperar
lançavam um olhar tão frágil
para além, além do mar
como a prever meu naufrágio
onde afogar-me-ia
mas o que eu mais quereria
era naufragar no seu olhar.

- releitura de SEUS OLHOS - Gonçalves Dias

LÍQUIDOS


O céu, coalhado de nuvens alaranjadas, anuncia mais um dia de calor infernal mas eles, que vem de uma noite transpirada, não se importam com o que virá pela frente; abasteceram-se de líquidos madrugados, saciando sedes para mais de um dia. E embora a promessa deste sol que se levanta seja de inferno, dois sorrisos cúmplices se abrem, satifeitos e certos de mais uma lua no paraíso.

Lena Ferreira.